terça-feira, 27 de março de 2012

artigo 16 - sobre os arcos, o bondinho.

Já foi-se o tempo em que Santa Teresa surgia nos braços da boemia carioca como um refúgio sereno. Lá do alto, o cheiro do mato ainda se fazia forte, quando a linha que ligava a Praça Quinze de Novembro ao Largo da Lapa e, que mais tarde iria se estender até o Largo dos Guimarães pela Rua Almirante Alexandrino.
            Foi quando se tornou símbolo, cartão-postal, que o bondinho ganhou a devida atenção. Em 68, pra ser bastante preciso, a via já contava com 35 veículos e alguns reboques até. Com isso, Santa Teresa virou um atrativo forte pra quem não morava por ali. A desculpa da contramão que era subir a ladeira gigantesca para o bairro caiu em desuso. “Basta apenas pegar o bondinho.” Sagrou-se um reduto poético, podendo quase ser comparada a um paraíso proibido. Era do alto, aos pés do Cristo Redentor que o bairro se encontrava e, a melhor maneira de ter seu pequenino espaço no céu, com uma das vistas mais privilegiadas da nossa cidade, era pegando o tal do bondinho. Um passeio incrível; passear por cima dos arcos, chegar ao largo do Curvelo, subir o Largo dos Guimarães e admirar a vista até o Parque das Paineiras pelo Silvestre. O bondinho que tanto orgulha não só quem usufrui diariamente do meio de transporte, mas quem precisa se alimentar da maravilhosa vista para saciar alma.
            O problema e, houve um problema, é que alguns talvez ainda não tenham entendido que com a vida das pessoas não se brinca. E errar é um luxo que um governo não pode se dar.
No dia 24 de Junho de 2011, Charles Damien Pierson foi o primeiro sinal de que algo estava errado. O francês de 24 anos caiu do bonde, pelo vão em aberto da tela que protege os passageiros do lado de fora da via, sobre os arcos da Lapa. O jovem despencou de uma altura de mais de 15 metros, porque tinha um buraco na tela. Por que tinha um buraco na tela? Ninguém viu? Ninguém sabe de nada? Vivemos na terra de ninguém, onde ninguém faz, ninguém fiscaliza, ninguém cobra, ninguém se revolta. De repente, o bonde que sempre foi o “mocinho” virou vilão. “Bonde assassino”. Quem é o assassino? Até que a pergunta fosse respondida e o responsável aparecesse; dois dias sem que se rode o bondinho. Uma semana sem que alguém suba no estribo. Essa era o ordem do mês. Pronto. Segundo o Secretário Estadual de Transportes o problema estava resolvido.
            Dois meses depois... Dia 27 de Agosto de 2011: “Cinco pessoas morreram e 57 ficaram feridas no acidente com um bonde no bairro de Santa Teresa, um dos principais pontos turísticos do Rio de Janeiro. Entre os feridos, dez em estado grave.” Jornal Nacional. Há quem diga que nessa hora Julio Lopes engoliu seco. Mais do que ele, penso na mulher e nos filhos do maquinista do bonde que nesse dia não voltou pra janta. Na família das outras quatro vítimas que morreram na hora.
            Sobre a denúncia de que houvera falta se manutenção nos bondes, o secretário disse que iria se pronunciar após a perícia. Houve a perícia e até agora, nada do secretário se pronunciar.
            O CREA-RJ absolutamente omisso. Joga a responsabilidade no colo de outros como se fosse batata quente. O governo então nem se fala, se cala. É simplesmente difícil de entender uma cidade que quer sediar os eventos esportivos mais importantes do mundo e não consegue zelar pelo bem-estar dos seus próprios habitantes. Propagandas exacerbadas sobre UPPs e segurança pública quando se esqueceram de dizer para o governador e para o prefeito que segurança é eu estar protegido quando sento em um ônibus para ir pra casa. Quando pego um metrô para ir trabalhar e quando quero passear em um bonde. Mais do que encontrar um culpado para tais acidentes a população clama por alguém que assuma suas responsabilidades. Alguém que se importe mais com a vida de quem viaja de bonde do que com as licitações públicas cedidas a certas empresas de transportes. Estamos aguardando.



por alberto szafran.



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